sábado, 5 de março de 2011

Meu coração


Let's desert this day of hurt, tomorrow we'll be free
Let's not fight, I'm tired can't we just sleep tonight?
Turn away, it's just there's nothing left here to say
Turn around, I know we're lost but soon we'll be found...
Sia

Sentada naquele carro, me surpreendi com a calma que exalava do meu ser. Afinal de contas, não é todo dia que se vai ao pronto-socorro por sentir que se está para enfartar.

Especialmente quando se tem 20 anos.  

Meu braço esquerdo estava dobrado contra o peito, como se o segredo fosse segurar o sangue mais perto possível do peito, da dor que exalava de forma nada calma de lá e irradiava pelo meu braço.

Ao lado, minha mãe estava furiosa.
Furiosa. 
Não consegui me importar muito, já havíamos vivido muitos momentos de frustração mútua para que eu me deixasse afetar com aquilo. Estávamos a caminho do hospital público mais perto e conveniente. Nunca tinha ido ao um hospital público, o temível sistema de saúde do Brasil, tantas histórias de terror! Aquilo era para ser minha “lição”, para eu aprender a valorizar minha saúde e não inventar frescuras sobre dor no coração, além de, claro, valorizar o tempo e energia dela. “Vai ver o que é bom”, ela disse.
Eu nada disse.

Vamos, pensei comigo mesma, e você verá que tem algo errado.

Até chegar lá pareceu uma eternidade, pareceu outra dimensão de ser. Não lembro que dia era, só que tudo estava vazio. Talvez domingo? Que cidade é essa, que ruas são essas? Onde está meu lar? Porque fui traída assim?
Saímos do carro após estacionar, em silêncio. Estou cansada, estou com o braço contra o peito e ainda não consigo acreditar que estou seguindo adiante com meu pedido. Parte de mim sabe que não vão encontrar nada, mas a mesma parte precisa que verifiquem, precisa que um médico que não mora na mesma casa comigo e não me conhece há 20 anos faça o exame. Tirem os vieses, os meus, os delas!
Entramos e é a típica cena de hospital público. Preenchemos formulários, pegamos senha. Está relativamente vazio (era domingo?) e não esperamos muito até que um cardiologista me chamasse. Entrei no consultório e só consegui dizer que sintia dor no peito, por entre muitas lágrimas. Parte de mim sabia que ele não ia achar nada e isso me fez chorar ainda mais. Minha dignidade estava quase ao chão, mas tinha que seguir, já estávamos ali. Ele fez o eletrocardiograma rapidamente e em poucos segundos conclui que não há nada de anormal. Rabiscou algo ferozmente num papel numa escrivaninha e me encaminhou para outra sala. Não sei o que está escrito, não sei o que ele vai me passar, mas considero ser bom sinal que haja outra etapa e não um direto “vá pra casa”.

A outra sala é de medicação e desta vez me levam para a ala psiquiátrica.

Levei um susto danado, mas não dava tempo para reagir, pois quando vi já haviam baixado minha calça e a injeção no “glúteo” já foi dada. Ai. Ai!
A dignidade? Pois é, a esta altura, foi-se. Tenho que voltar pra casa com minha mãe sabendo que acabei de levar um “sossega-leão” como uma histérica e que não havia nada no meu coração. Mas o farei com o máximo de cabeça erguida, pois arquei com as consequências.

Não conseguia me importar com mais nada ao entrar no carro e recostar o assento para me entregar ao efeito que surpreendentemente está tomava conta. A volta foi um branco e um silêncio profundo, um profundo nada. Alívio puro.
Chegando em casa já era hora do almoço e me recompus o suficiente para cair na cama...e acordar 10 da noite por alguns segundos e voltar a dormir para acordar na tarde do dia seguinte, completamente perdida. Estava rendida.
            Eu ainda defendo que havia algo no meu coração. Como posso sentir algo que não existe? As pequenas máquinas eletrocardiácas não souberam detectar, mas a dor estava lá e meu braço sem dúvida precisava estar dobrado. Não me importa se a emoção provocou aquilo, existiu, não é mesmo?
            Não preciso nem dizer que isso foi a última gota d’água para ser levada a sério em casa. Já estava trilhando um caminho limítrofe, com tantos “ataques” e “frescuras” que acabavam sendo “nada”, agora não tinha mais voz de vez.

            Tudo bem.

            Agora, pensando aqui com meus botões, lembro das incontáveis vezes que minha mãe chegou em casa dizendo que passou o dia achando que ia enfartar, de tanto estresse e ansiedade. Porque não lembrei disso naquele domingo e em todas as desqualificações que seguiram? Mas...pensando melhor, nem isso teria ajudado. A ajuda estava e mim e em buscar sair da nossa pequena relação distorcida e cheia de mágoas-expectativas-doideras-dependências. Já faz 6 anos desde esse pequeno episódio e do famoso 2005 em geral e carrego essas lembranças como pequenos fantasmas.
Pequenos, sim, mas fantasmas nevertheless.

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