quinta-feira, 29 de julho de 2010

O não-caminho


Era uma vez, um caminho.
Eu o escolhi, ou ele me escolheu, há controvérsias.
Mas o fato continua sendo, havia um caminho. Ele foi se tornando nítido a partir de uma escolha e a lógica era incontestável – se escolhi o primeiro passo, todos os outros se encaminharão, não?
Agora o caminho sumiu, aos pouco perdeu a cor, o brilho e a nitidez. Tentei comprar óculos, pois certamente minha visão me falhava e me enganava! A dois segundos o caminho estava aqui!
Os óculos só me davam dor de cabeça. Enxaquecas.
Então, havia um caminho e não sei onde foi, onde foi que eu me desviei dele e pisei nas selvas selvagens de uma vida por viver e escolhas outras a fazer. Não há mais obviedades, menina.
Eu continuo caminhando com a lembrança de sua sombra. Seria por aqui, se existisse, não?
Hoje parei de enxergar o caminho, nem na lembrança. Começo a pensar naquele primeiro passo que definiu o caminho por inteiro e penso nas ilusões que criamos; como é bom alucinar com um caminho certeiro. Aqui nas terras sem caminho o terreno é difícil, piso por cima das ervas daninhas, tenho que cortar os galhos que aparecem, virgens e ignorantes de nós e nossos caminhos.
Lembro do primeiro passo e a arrogância que seguiu junto a todos os outros. Olhem pra mim e meu caminho! Sucesso, realização e sabedoria garantidas com a entrega de um diploma, um currículo e um parabéns! Siga em diante para suas pós-graduações, siga sempre em frente, não pare não pare não pare! É uma estrada larga mas me faz lembrar a Trans-Amazônia, cheia de poeira e levando a morte por onde passa...Alguém disse que saberíamos tudo da Amazônia andando por essa estrada larga, mas...há algo estranho.
Havia um caminho, havia eu.
Havia um passo, havia milhões de passos que foram seguindo mesmo com os questionamentos que gritavam mais alto a cada passo dado. Comprei em vão mais e mais óculos de grau.
Hoje joguei fora os óculos e admito:
Não havia um caminho e nunca houve.
Me assusto frequentemente ao me ver longe do que pensava ser o inexorável caminho, me assusto com os ruídos que vêm da selva, desconhecidos, intocados e vorazes. Meus ruídos. Cheguei a achar que fosse morrer, devorada. Ainda me assusto, mas aos poucos me aposso da enorme beleza do meu novo não-caminho sem mapas.
Prados, desertos, mata, cerrado.
Rios que dão em praias, praias que dão em oceanos, oceanos que dão em continentes. Não há caminho mas também não há pressa. Não há norte e não há sul.
Era uma vez...

Um comentário:

  1. Hmmmm... entendi! Por isso gosta tanto dos pés, afinal são eles quem fazem o próprio caminho no meio do mato ou onde quer que for... hehe. Sem caminhos pra seguir, só por fazer, eita coisa boa!

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